Vs. 7-25 – Como
mencionado, o segundo grupo de exortações diz respeito aos seus privilégios e
responsabilidades coletivas.
LEMBRAR-SE DOS LÍDERES CRISTÃOS QUE NOS ANTECEDERAM (vs. 7-8)
Ao se afastarem do judaísmo, os crentes
hebreus poderiam pensar que o escritor estava pedindo a eles que dessem as
costas à sua longa herança naquela religião. Mas ele não diz isso. Abraão,
Moisés, Davi, etc., ainda precisavam ser valorizados por sua fidelidade, como
indica o capítulo 11. O que eles precisavam ver era que agora também tinham uma
herança Cristã de líderes valiosos, dos quais se lembravam.
Essa companhia de
crentes hebreus tinha líderes que lhes haviam ensinado a Palavra de Deus, que
deveriam valorizar e buscar ajuda espiritual e encorajamento neles. Por isso, o
escritor diz: “Lembrai-vos dos vossos
guias [líderes – JND], os quais vos pregaram a Palavra de Deus;
e, considerando atentamente o fim da sua vida [sua maneira de viver – ARC], imitai a fé que tiveram” (ARA). “Jesus Cristo é o
mesmo ontem, e hoje, e eternamente”. O fato de dizer: “os quais vos pregaram ...” (no tempo passado) indica que esses “líderes” Cristãos tinham ido para o Senhor
e não estavam mais na Terra. J. N. Darby disse: “Ao exortá-los (v. 7) a lembrar
daqueles que guiaram o rebanho, ele fala daqueles que já partiram em contraste
com aqueles que ainda vivem (v. 17)” (Synopsis
of the Books of the Bible, em Hebreus 13:7; veja também Collected Writings, vol. 27, pág. 321,
413). Embora tivessem ido para estar com o Senhor, a fé deles havia deixado um
legado de caráter e coragem Cristãos para aqueles que, nas futuras gerações, os
“imitassem”. Estêvão (At 7) e Tiago
(At 12) seriam exemplos desses, talvez Judas Barsabás e Silas fossem outros (At
15:22). Estes eram “varões distintos
entre os irmãos”. Alguns desses líderes podem ter estado na supervisão de
uma assembleia local, mas W. Kelly aponta que essa não é a força da palavra
usada aqui. O sentido é o de líderes de um modo geral (The Epistle to the Hebrews, pág. 261).
Nota: ele diz: “imitai a fé que tiveram”. Não diz que deveriam imitar seus maneirismos,
ou suas características, ou a maneira como falavam publicamente no ministério.
Fazer isso é tornar-se um clone desses queridos servos de Deus, o que não é a
vontade de Deus. Assim como uma estrela difere de outra estrela em glória (1 Co
15:41), Deus quer que todos nós brilhemos em nosso próprio caminho individual. Era
a “fé” deles que deveriam imitar (1
Co 11:1; Ef 5:1). Esses líderes que já tinham partido eram um testemunho do
fato de que caminhar por fé no caminho Cristão pode ser feito vitoriosamente.
A “maneira de viver” deles [essência
de suas vivas – JND] era “Jesus
Cristo”. Cristo era o objetivo em tudo que aqueles homens haviam buscado na
vida. É a razão pela qual seguiram em linha reta. Esses crentes hebreus deviam
considerar isso e seguir seu exemplo, fazendo de Cristo o Objeto e o Centro de
suas vidas. O escritor acrescenta que “Jesus
Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente”. Isto é, os tempos podem
mudar e aqueles que serviram a sua geração pela vontade de Deus “dormiram” (At 13:36), mas Cristo está
sempre presente para cada nova geração, pois Ele nunca muda.
GUARDAR-SE DAS DOUTRINAS ESTRANHAS QUE MISTURAM O JUDAÍSMO COM O
CRISTIANISMO (vs. 9-10)
A próxima exortação adverte contra o
perigo de sermos levados “por doutrinas
várias e estranhas” que misturariam o judaísmo com o Cristianismo. Todo
esse ensino judaizante se opõe aos princípios da graça Cristã e não tem lugar
na administração atual. Tais ensinamentos geralmente se concentram em tentar
produzir um padrão mais elevado de santidade nos crentes por meio do legalismo,
o que não funciona. Por isso, o escritor diz: “porque bom é que o coração se fortifique com graça e não com manjares (alimentos
sólidos), que de nada aproveitaram aos
que a eles se entregaram”. Ele usa “alimentos sólidos” aqui como uma figura
para as ordenanças externas da religião terrena (Hb 9:10). Seu ponto de vista é
direto e claro: os Cristãos que adotaram princípios judaicos não se
beneficiaram deles espiritualmente.
Ele prossegue dizendo: “Temos um altar de que não têm direito de
comer os que servem ao tabernáculo”. Esse “altar” não é o altar de bronze, nem é o altar de ouro na velha administração,
mas o que é simbólico do “novo e vivo
caminho” de aproximação a Deus no verdadeiro Cristianismo (Hb 10:19-22). “Comer” neste altar simboliza a
participação na adoração espiritual oferecida no Cristianismo (1 Co 10:18).
Este versículo 10 nos ensina que aqueles que querem se apegar ao judaísmo não
devem ser permitidos de participar do verdadeiro modo Cristão de se aproximar
de Deus. Fazer isso seria misturar as duas ordens, algo que Deus não quer.
Como mencionado na
Introdução deste livro, a Cristandade está permeada de princípios e práticas
judaicas. É verdadeiramente uma mistura de judaísmo e Cristianismo. Visto que é
assim, àqueles que desejam frequentar e participar dos chamados “cultos de
adoração” nas igrejas da Cristandade, e ao mesmo tempo, estar em comunhão na
mesa do Senhor, onde os Cristãos buscam adorar de acordo com o novo e vivo caminho,
deve ser dito que não “têm o direito”
de comer lá. Por conseguinte, não devem ser permitidos de assim o fazer. A
razão é simples: Deus não quer uma mistura das duas coisas.
SAIR PARA O NOVO LUGAR DE REUNIÃO FORA DO ARRAIAL (vs. 11-14)
Nestes versículos, o escritor menciona
um ritual relevante relacionado com a oferta pelo pecado que teve seu
cumprimento na morte de Cristo – “os
corpos dos animais”, que foram oferecidos, foram consumidos com fogo em um
lugar “fora do arraial” (Lv 4:12).
Como cumprimento disso, o Senhor Jesus “padeceu
fora da porta” de Jerusalém (Jo 19:20). Ele foi expulso do sistema do
judaísmo por seus líderes perversos e lá morreu como um criminoso. Mas ao ser
expulso desse sistema, Deus fez de Cristo o novo centro de reunião para aqueles
que O recebem como seu Salvador. O efeito da morte de Cristo fora do judaísmo
era “santificar o povo com o Seu próprio
sangue” num sentido relativo ou externo (cap. 10.29). Isto é, estabeleceu
um novo terreno sobre o qual os crentes devem se reunir em separação do
judaísmo.
Assim sendo, o escritor
exorta: “Saiamos, pois, a Ele
fora do arraial, levando o Seu vitupério.” Tem sido frequentemente
perguntado: “O que exatamente é ‘o arraial’?”
É uma expressão que caracteriza o judaísmo e seus princípios e práticas a ele relacionados.
Assim, o versículo 13 é um chamado formal a todos os crentes naquele sistema
judaico para cortar suas conexões com ele indo ao Senhor Jesus que está fora desse
sistema. Ele é o novo Lugar de Reunião – o Centro de reunião dos Cristãos (Mt
18:20). Esta não é uma localização geográfica como no judaísmo (ou seja, o
templo em Jerusalém), mas sim, um terreno espiritual de princípios sobre os
quais Deus deseja que os Cristãos se reúnam para adoração e ministério.
Visto que a profissão Cristã
se tornou permeada de princípios e práticas judaicas e existe em quase toda
parte uma mistura dos dois sistemas, esse chamado para ir a Cristo “fora do arraial” tem uma aplicação
muito prática para nós na Cristandade. O princípio é simples: os crentes são
chamados a se separar do judaísmo – independentemente de onde possa ser
encontrado, ou de que forma possa estar. Poderia ser no judaísmo formal (uma
sinagoga) ou em locais de adoração de aparência judaico-Cristã (as igrejas da Cristandade).
Esse chamado para separar do judaísmo levou os Cristãos exercitados a
dissociar-se das igrejas na Cristandade, onde essa mistura existe, e se reunirem
simplesmente ao nome do Senhor Jesus (Mt 18:20). (Compare com 2 Tm 2:19-21).
Alguns Cristãos que são
defensores da mistura judaico-Cristã nos sistemas da igreja dirão que “o arraial” se refere estritamente ao
judaísmo formal, e nada mais. Qualquer extração disso, em suas mentes, não é
considerada o arraial. No entanto, se este raciocínio estivesse correto, então
os crentes judeus, que foram chamados a se separarem do arraial, não precisam
realmente se separar da sinagoga, porque mesmo a seita mais estrita do judaísmo
hoje é apenas uma derivação do verdadeiro judaísmo bíblico que Deus deu por
meio de Moisés. Mesmo quando o Senhor estava aqui na Terra, o judaísmo havia se
tornado descontroladamente distorcido pelas interpretações e tradições dos
anciãos. Hoje é simplesmente muito mais distorcido. Este argumento, portanto, é
certamente falso, e só é insistido para evitar que uma aplicação prática seja
feita aos frequentadores de igrejas. É verdade que muitas das coisas judaicas
nessas igrejas foram alteradas um pouco para se adequar a um contexto Cristão,
mas esses locais de adoração ainda têm, em princípio, os ornamentos do
judaísmo. De fato, se fôssemos pedir-lhes a base na Escritura para muitas de
suas práticas religiosas, apontariam livremente para o judaísmo do Velho
Testamento como seu modelo. Grande parte da atual ordem judaico-Cristã existe
há tanto tempo no Cristianismo que se tornou aceita pelas massas como o ideal
de Deus. O que aconteceu em grande medida é que a Cristandade se uniu ao “arraial” da religião terrena, que é a própria
coisa de onde o versículo 13 chama os crentes para sair.
O escritor acrescenta
que, como o Senhor saiu do arraial para levar nosso juízo como a oferta suprema
de pecados, devemos agora ir para fora do arraial para Ele e, ao fazê-lo, levaremos
Seu “vitupério” (reprovação). Assim
há reprovação ao se reunir ao redor do Senhor fora do arraial porque esse novo terreno
de reunião é algo rejeitado. Portanto, devemos estar preparados para suportar o
sofrimento em relação a isso. A reprovação que esses crentes hebreus sentiam
vinha principalmente dos que estavam no arraial. E os crentes que se separarem
dos princípios judaicos nas igrejas da Cristandade também descobrirão que a censura
virá principalmente daqueles que, nos sistemas da igreja, não se separarão
dessa mistura. O apóstolo João chamou as pessoas que tomam este terreno de
aparência judaico-Cristã: os “que se
dizem judeus e não o são, mas mentem” (Ap 2:9, 3:9).
O escritor acrescenta
que “aqui” na Terra “não temos (nós Cristãos) cidade permanente”, como os judeus
tinham em Jerusalém (v. 14). Em vez disso, ele diz: “mas buscamos a futura (uma cidade celestial)”. Assim, não há sedes terrenas no Cristianismo. Assim, o novo
lugar Cristão de adoração é:
- Dentro
do véu quanto aos nossos privilégios espirituais (Hb 10:19-20).
- Fora do arraial quanto à nossa posição eclesiástica (Hb 13:13).
EXERCITAR
NOSSOS PRIVILÉGIOS SACERDOTAIS (v. 15)
Tendo ensinado que todos os Cristãos são
sacerdotes com liberdades que excedem qualquer coisa que os sacerdotes
aarônicos tinham no judaísmo (Hb 10:19-22), o escritor agora nos exorta a
exercer nossos privilégios sacerdotais em louvor e oração. Ele diz: “Portanto, ofereçamos sempre, por
Ele, a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o Seu
nome”. Este é um sacrifício espiritual que os Cristãos podem oferecer na
imediata presença de Deus. É feito “por
Ele” (veja também 1 Pe 2:5), que é uma alusão a Cristo como nosso Grande
Sacerdote apresentando nossa adoração a Deus com perfeição (Hb 10:21). Nota:
não há menção de que este louvor seja oferecido com a ajuda externa de
instrumentos de orquestras e corais, etc., porque a verdadeira adoração Cristã é
em “espírito e em verdade” (Jo
4:24). É algo espiritual produzido no coração dos crentes pelo Espírito Santo
(Fp 3:3). A verdadeira adoração Cristã se manifestará no “fruto dos nossos lábios” e será feito “confessando o Seu nome”, porque não devemos ter outro nome senão o
do Senhor Jesus (Mt 18:20).
USAR NOSSOS RECURSOS MATERIAIS PARA APOIAR O TESTEMUNHO CRISTÃO (v. 16)
O escritor fala então de outro tipo de
sacrifício Cristão – comunicando nossas posses materiais de maneira monetária.
Ele diz: “E não vos esqueçais da
beneficência e comunicação [das
vossas possessões materiais – JND],
porque, com tais sacrifícios, Deus Se agrada”. Assim, nossos recursos
materiais, se usados para promover o testemunho Cristão, são vistos como um
sacrifício pelo Seu nome. Esse tipo de sacrifício pode ser feito em um nível
individual (Gl 6:6) ou em um nível coletivo, a partir de uma assembleia (Fp 4:14-16).
Os princípios de tal oferta são expostos em 2 Coríntios 8-9. O fato de que ele
diz “não vos esqueçais” mostra que
pode ser negligenciado.
OBEDECER E SE
SUBMETER AOS LÍDERES (v. 17)
Ele dá mais uma palavra aqui sobre seus “líderes [guias]”. Eles estavam vivos e fazendo seu trabalho entre os santos na
época em que a epístola foi escrita, ao contrário daqueles no versículo 7, que
haviam morrido e estavam com o Senhor.
Ele diz: “Obedecei a vossos pastores [líderes – JND] e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossa alma, como aqueles que
hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso
não vos seria útil”. A TB traduz “pastores”
como “aos que vos governam”.
Ver também 1 Tessalonicenses 5:12 e 1 Timóteo 5:17 Esta é uma tradução infeliz,
e poderia transmitir o pensamento de que existe algum tipo de hierarquia
oficial na Igreja que governa os santos – ou seja, o clero, que é um ofício não
bíblico, um ofício inventado pelo homem.
Esses “guias” (AIBB) foram levantados pelo
Espírito Santo para cuidar do rebanho (At 20:28). Eles “vigiam” os santos como cuidadores. Eles têm experiência com Deus,
tendo andado no caminho por algum tempo, e assim podem ser uma ajuda para os
santos em assuntos espirituais. Isso mostra que as ovelhas que saíram do arraial
para Cristo não serão deixadas sem cuidado pastoral. Sem o confinamento daquele
sistema legal, haverá o perigo de inimigos, ovelhas se desviando, etc., mas
esses guias guardarão e instruirão o rebanho nesses assuntos práticos. Às
vezes, podemos nos ressentir de sua interação conosco e vê-la como intrometida
em nossas vidas pessoais, mas se formos submissos e tentarmos seguir o conselho
espiritual que nos dão, seremos ajudados no caminho. Eles hão de dar “conta” ao Senhor sobre como se
importaram com o rebanho. Seu desejo é fazê-lo “com alegria e não com tristeza [gemendo]”.
ORAR PELOS
SERVOS DO SENHOR (vs. 18-19)
Deve-se notar que o escritor toca nas
três esferas de privilégio e responsabilidade na casa de Deus. Os versículos 15-16
dizem respeito ao exercício do sacerdócio;
o versículo 17 tem a ver com o ofício
de supervisão, e agora nos versículos 18-19 temos a esfera do dom. Como servos no exercício de seus
dons espirituais, ele diz: “Orai por
nós, porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo
querem portar-se honestamente”.
O fato de o escritor
pedir a esses crentes hebreus que orem por eles (“orai por nós”), mas não
identificou quem são, pode parecer um pouco incomum. A pergunta natural seria: “Orar
por quem?” Mas assume que eles sabiam quem eram – o que a maioria, se não
todos, expositores acreditam que era Paulo. Mais especificamente, seu pedido de
oração por sua libertação da prisão para que pudesse ser “restaurado” a eles e assim continuar seu ministério público entre
os santos, certamente aponta para o apóstolo Paulo (v. 19).